sábado, 21 de fevereiro de 2015

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: formas e proteção

Fonte: Catraca Livre- "Personagens femininos chamam atenção para a violência doméstica". https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/princesas-da-disney-chamam-atencao-para-a-violencia-domestica/
1. Introdução

As relações domésticas (ou do lar) podem passar por fases turbulentas e de desarmonia, como ocorre em qualquer família. Ocorre que, por vezes, pode ser que um integrante da família ultrapasse os limites morais e legais, chegando a ferir a dignidade de outrem, seja do cônjuge/parceiro, dos filho, dos pais, etc.

Diante milhões de ocorrências pelo país (apenas uma parte registrada oficialmente), sendo grande parte contra a mulher (gênero/ sexo) simplesmente por ela “ser mulher” o Poder Legislativo criou a Lei nº 11.340 de 2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, a qual tem como objetivo crias “mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher” .

Após estudos, concluiu-se que essa grande parte de ocorrências de violência contra mulher aconteceram pelo simples fato dela ter nascido mulher, pois, no pensamento de algumas pessoas (inclusive outras mulheres, por sinal), elas são mais fracas, vulneráveis e até inferiores. Assim, a criação desta lei se fez necessária para endurecer punições e criar, dentre outras coisas, medidas de proteção à mulher.

A seguir veremos, de forma objetiva e simplificada, o que esta lei prevê sobre as formas de violência e como usa-la para se proteger do agressor.

2. Violência doméstica e a Lei Maria da Penha

Conforme o artigo 5o da lei em estudo, a violência doméstica/familiar consiste em “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Ou seja, uma conduta, dolosa ou culposa, de qualquer pessoa que agrida o direito à vida, à integridade e dignidade física, sexual, psicológica, moral e patrimonial de mulher por ela ser mulher, nada mais.

O dispositivo, além de definir legalmente o que é violência doméstica, traz em seu corpo as formas, quais sejam: física, sexual, psicológica, moral e patrimonial, as quais estudaremos logo mais.

Com essa definição, é possível para o operador do direito (advogado, delegado, promotor, juiz,...) enquadrar (“encaixar”) o fato ocorrido à lei para então utilizar ou não os dispositivos da Lei Maria da Penha, a qual trouxe mais conceitos:
I- Unidade doméstica como sendo “o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas”. Ou seja, não há necessidade de vinculo familiar (de sangue ou afeto), mas tão somente que haja convivência entre as pessoas, como nos exemplos de: um empregado doméstico (faxineiro, jardineiro, enfermeiro,...); um amigo que está desabrigado e já convive no lar à 2 meses; ou um estudante de intercâmbio recebido.

II- Família como “comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”. Aqui, temos o conceito clássico de família, sendo pessoas ligadas por laço sanguíneo, como pais e filhos, tios e sobrinhos,... e laço afetivo, como adotados e pessoas sob sua guarda, tutela ou curatela.

III- Qualquer relação íntima de afeto, sendo aquelas em que “o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”. Neste inciso temos as relações amorosas, desde o casamento até namoro, sendo necessário um convívio por espaço de tempo, seja na mesma residência ou não, como no caso de pessoas que casam mas continuam no lar dos pais ou próprio ou no caso de pessoas que namoram aos finais de semana.

Por fim, este artigo traz em seu parágrafo único uma previsão moderna e necessária para a sociedade atual:  “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”. Ou seja, não interessa se as relações domésticas, familiares ou íntimas de afeto são entre homem e mulher ou entre duas mulheres, a Lei Maria da Penha pode ser aplicada.

Ainda, a lei trouxe alterações para nosso Código Penal, endurecendo a pena dos agressores a mulheres pelo seu gênero/sexo.

O artigo 43 da Lei Maria da Penha incluiu a alínea “f” ao inciso II do artigo 61 do Código Penal, o qual prevê como agravante para aumento da pena o crime praticado “com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica”. Ainda, o artigo 44 da lei em estudo incluiu o §9º ao artigo 129 do diploma penal, criando a Lesão corporal qualificada “se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”, com pena de detenção, de 3  meses a 3 anos.

Assim, a Lei Maria da Penha revolucionou a proteção à mulher quanto à suas fraquezas perante outros que acreditam que ela seja inferior ou mais fraca. Pode parecer que tudo isso não passa de simples conceitos, mas na técnica forense os conceitos são de extrema utilidade para poder aplicar a lei, com direitos e obrigações, a cada caso concreto.

3. Formas

Como dito anteriormente, tanto para fins práticos quanto legais, até interdisciplinarmente, as formas de violência foram divididas, conforme estudaremos os incisos do artigo 7 da Lei nº 11.340/06.

3.1. Física

O inciso I prevê que a violência física é entendida como “qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal”. Ou seja, compreende as agressões físicas, a violência contra o corpo ou saúde.

Caso típico de violência física é o crime de Lesão corporal (art. 129 do Código Penal), onde um indivíduo desfere socos, chutes, pauladas, ou ainda puxa cabelo, arremessa ao chão,... Em alguns casos, a violência física, ainda, pode ser decorrente de Homicídio (art. 121 do Código Penal) tentado ou até consumado.

Importante demonstrar que tal agressão pode ser constatada e provada através de fotos, vídeos e testemunhas. Porém, por estarmos diante crimes materiais, é necessário o Exame de corpo de delito no IML (Instituto Médico Legal) ou, no mínimo, laudo médico de atendimento do hospital ou pronto-socorro.

3.2. Psicológica

Já o inciso II traz a violência psicológica como “qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.

Aqui, o agressor busca atacar a saúde mental, o psicológico da vítima, com o fim de causar emoções negativas ou destruição do auto respeito e do auto amor. É comum, nesses casos, o agressor cometer crimes de Injúria (art. 140 do Código Penal), de Ameaça (art. 147 do Código Penal) e de Constrangimento ilegal (art. 146 do Código Penal). Importante: a Injúria só pode ser processada pela via particular, por Advogado; a Ameaça exige a Representação (termo para expressar vontade de ver o agressor punido) pela vítima, sendo necessário falar a palavra REPRESENTAR contra o autor no prazo de 6 meses dos fatos; o Constrangimento ilegal é de ação penal pública, ou seja, basta o Ministério Público tomar conhecimento e ter as provas.

Os meios de prova mais comuns são fotos, vídeos, mensagens de celular (SMS, e-mail, redes sociais, messengers,...) e testemunhas.

3.3. Sexual

No inciso III temos a violência sexual “como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos”.

Observamos que é uma modalidade mais ampla, que envolve não só a dignidade e liberdade sexual da mulher, mas também a liberdade em conceber um filho ou em casar. Os crimes aqui envolvidos vão desde o Estupro (art. 213 do Código Penal), pois o casamento ou relacionamento íntimo não exclui o consentimento  em ter relação sexual, até o Constrangimento ilegal.

Aqui, as provas se repetem, porém, se houve ato sexual, é necessário novamente o Exame de corpo de delito no IML.

3.4. Patrimonial

Quanto ao inciso IV, a violência patrimonial é entendida como “qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”.

Nesse caso, é comum o agressor apoderar-se de bens, incluindo dinheiro, da mulher para que ela não tenha sua independência financeira para ir e vir ou adquirir o que quiser, mantendo a dependência com o agressor. Comum, assim, o Furto (art. 155 do Código Penal) ou Roubo (art. 157 do Código Penal).

Além dos meios de prova já mencionado, cabe também o extrato bancário.

3.5. Moral

Por fim, o inciso V diz que a violência moral é “qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”.

Ou seja, são os crimes contra a honra, seja subjetiva (interna da vítima; imagem dela consigo mesma), seja objetiva (externa a vítima; imagem dela perante a sociedade). Calúnia (art. 138 do Código Penal) é a imputação de fato que é crime, atingindo a honra objetiva e subjetiva. Difamação (art. 139 do Código Penal) é imputar fato ofensivo à reputação, atingindo a honra objetiva. Injúria (art. 140 do Código Penal) é a ofensa direta, geralmente xingamento, atingindo a honra subjetiva.

Para o agressor ser processado, deve-se ingressar com ação penal privada com Advogado.

Os meios de prova vão desde o testemunhal até documentais como SMS, e-mail, redes sociais, messengers,...

4. Medidas Protetivas

As medidas protetivas, como diz o nome, são imposições para resguardar os direitos da vítima. Elas se dividem em medidas de obrigação ao agressor e em medidas para a vítima.

As Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor estão no artigo 22 da Lei Maria da Penha e podem ser aplicadas pelo juiz de imediato caso constatada a violência. As medidas são:
I- suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente;
II- afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III- proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV- restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

No § 2o, prevê a possibilidade de restrição do porte de armas do agressor, caso ele tenha o porte ou até trabalhe armado. Para efetivar as medidas, o juiz pode contar, a qualquer momento, com auxílio policial, conforme o § 3º.

As Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida estão no artigo 23 e permitem o juiz, quando necessário:
I- encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II- determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III- determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.

Ainda, a lei prevê no artigo 24 medidas para proteção dos bens ligados ao casamento e dos particulares da mulher, sendo que o juiz poderá determinar liminarmente:
I- restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II- proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III- suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV- prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Todas essas medidas são possíveis de ser requeridas inicialmente na delegacia e posteriormente ao Ministério Público ou por Advogado para o Juiz então decidir por conceder ou não, após análise da existência de violência doméstica/familiar nos termos desta lei.

5. Prevenção e a eficácia das medidas

Agora que sabemos no que consiste violência doméstica/familiar, quais as formas e quais as medidas protetivas existentes, veremos como tornar efetiva a proteção à mulher.

Primeiramente, vale ressaltar que, apesar da grande evolução dos direitos e igualdade das mulheres nas últimas gerações, devido até a criação das pessoas e valores sociais, muitas mulheres ainda carregam a cultura de inferioridade, como se tivessem de servir ao homem ou descendente ou ascendente. Por exemplo, não é incomum vermos mulheres: submissas a seus maridos/companheiros; submissas a filhos (as); submissas a pais ou mães.

Em segundo lugar, temos de perder a visão de que o agressor e opressor é somente o homem, uma vez que existem mulheres que acreditam que suas iguais são fracas e devem ser submissas aos mais fortes, podendo ela ser autora de um crime ou partícipe. Já presenciei diversos casos na prática forense de mãe submetendo filha ou filha submetendo mãe a situações indignas.

Tendo isso em vista, vamos aos órgãos públicos que podem auxiliar a vítima em caso de violência doméstica/familiar:

I- Polícia Militar: é dever da polícia militar ser ostensiva (mostrar para a população que a polícia existe e atua) e ser preventiva (evitar crimes). Assim, enquanto houver a agressão, a Polícia Militar pode ser acionada pelo 190 para intervir e prender o criminoso. É papel dela, também, conduzir as partes à Delegacia para providências. Por fim, pode escoltar a vítima para o lar, além de impor o afastamento do agressor do lar, quando houver determinação do Juiz;

II- Delegacia de Polícia: em especial na Delegacia de Proteção à Mulher,  é aqui que a Polícia Civil, através de seus investigadores, escrivães e delegados, apura os crimes. Aqui, registra-se a ocorrência e, nos casos de crimes que exigem representação (como a Ameaça), REPRESENTA contra o autor para que ele seja processado e, também, pede as medidas protetivas. O delegado de polícia, em seguida, encaminha os autos para o fórum.

III- Ministério Público: é o órgão que tutela os direitos da coletividade. Ao receber os autos da delegacia, o Promotor de Justiça analisa o caso e, com o mínimo de provas da violência, pede a aplicação das medidas ao juiz. Em seguida, pede a coleta das provas suficientes para comprovar a autoria e a materialidade do delito para então processar o agressor nos crimes que não sejam de ação penal privada (como na Injúria, Calúnia e Difamação);

IV- Judiciário: após o requerimento do Promotor de Justiça pelo deferimento das medidas protetivas, o Juiz decide se há fundamento para a aplicação delas e quais aplicar. Dependendo das medidas, como afastamento do agressor do lar, o Juiz pode ordenar a polícia, seja Militar ou Civil, efetivar o cumprimento. Ainda, as medidas protetivas são ordens judiciais, sendo que se o agressor as desrespeitar, incorre em crime de Desobediência (art. 330 do Código Penal).

Por fim, não é órgão da Administração Pública mas exerce “ministério privado de função social”, temos o Advogado, o qual tem capacidade postulatória para fazer pedidos em nome da vítima diretamente ao Juiz ou acompanhar a vítima na Delegacia para que seus direitos sejam tomados a termo.

Assim, para a efetividade das medias a vítimas pode contar com as pessoas e órgãos acima expostos.

Como é comum a vítima procurar a Delegacia de Polícia sozinha e sem prévia orientação, deixo em destaque dois pontos para quem fizer isso: use expressamente o termo “REPRESENTO CONTRA O AUTOR PARA QUE ELE SEJA PROCESSADO”; use expressamente o termo “DESEJO A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI MARIA DA PENHA”; certifique-se que o policial registrou esses termos no Boletim de Ocorrência e em seu depoimento.

Assim, as chances de deferimento das medidas são muito maiores.

Por fim, caso esteja protegida pelas medidas e o agressor tente contra elas, a mulher deve procurar um Advogado ou o Ministério Público para comunicar sobre o ocorrido, podendo o agressor ser preso por Desobediência ou, ainda, em prisão preventiva por acusar risco à ordem pública (art. 312 c.c. art. 313, III, ambos do Código de Processo Penal).

7. Conclusão

Nos dias de hoje, há pessoal, estrutura e lei suficiente (não ideal) para a proteção à mulher contra a violência de gênero, podendo ela requerer medidas protetivas ao Judiciária através da atuação de Polícia, Ministério Público e Advogado.

Para maior conhecimento, indico a cartilha “Mulher... vire a página”, do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (GEVID), do Ministério Público do Estado de São Paulo, que ilustra as formas de violência e traz todas as opções interdisciplinares (criminal, social, assistencial,...) para apoio à mulher: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Cartilhas/vire_a_pagina.pdf (versão em espanhol: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Cartilhas/vuelta_la_pagina.pdf).

A mulher deve pensar nas pessoas que ama, incluindo a si mesma, pois a violência doméstica/familiar não atinge somente a ela, mas a toda coletividade.


Vladimir Vitti Júnior
Advogado

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