sábado, 7 de fevereiro de 2015

FURTO A CAIXAS ELETRÔNICOS: possibilidade de Latrocínio

Fonte: http://www.ribeiraonoticias.net/2014/11/bandido-tenta-estourar-caixa-eletronico.html


      O Estado de São Paulo passa por um período atual com diversas ocorrências de “assaltos” a caixas eletrônicos, onde indivíduos explodiam o maquinário para subtrair grandes quantias em dinheiro. Segundo o site G1 em notícia publica em 11 de novembro de 2014 com título “Região soma 40 registros de furto ou roubo a caixas eletrônicos neste ano: Segundo delegado de São Carlos, SP, dinheiro roubado abastece facções. Frequência dos crimes assusta moradores e provoca mudança de hábitos”, só na região de São Carlos havia 40 casos de “roubo ou furto de caixas eletrônicos” em 2014, conforme apontado pelo DEIC (Departamento Estadual de Investigações Criminais), da Polícia Civil. “O último na madrugada desta quinta-feira (11), em Mococa (SP).  Quase todos os dias um caixa eletrônico é alvo de criminosos no estado e, desde o início do ano, foram mais de 300 ocorrências desse tipo”[1].

Apesar do uso de explosivos para chegar ao objetivo, causando grande dano no perímetro e terror na vizinhança, juridicamente não estamos diante a hipótese de roubo, mas sim de furto (ambos os crimes do Código Penal, contra o Patrimônio). Eis a diferenciação entre os crimes:

- Furto:
   Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
        Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
 § 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.
        § 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
        § 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.
        Furto qualificado
        § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
        I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
        II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
        III - com emprego de chave falsa;
        IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.
        § 5º - A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.

O crime de furto consiste em tão somente subtrair algo que não é seu, independente se alguém viu ou não. Digo isso porque é muito comum dizerem “furto é quando não vê, roubo e quando vê”. É um erro comum, pois é dever dos operadores do Direito (Juiz, Promotor, Advogado, Polícia,...) saber o técnico.

Importante destacar que o § 4º torna o Furto qualificado, aumentando sua pena no mínimo e no máximo, quando há a destruição ou rompimento de obstáculo para ter a posse do bem desejado. E como exemplo, temos os casos em que o indivíduo usa explosivos para destruir o caixa eletrônico para então subtrair o dinheiro que dentro dele estava.

- Roubo:
  Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
        Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
        § 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.
        § 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
        I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
        II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;
        III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.
        IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior;
        V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.
        § 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.

 Vemos que o crime de Roubo inicia seu texto (tipo penal) idêntico ao do Furto, porém, ele exige que a subtração, a tomada da posse do bem, seja feita violência ou grave ameaça ou com redução da capacidade de resistência, tudo contra pessoa, seja ela a detentora do bem ou não. Exemplo (infelizmente mais do que comum e cotidiano) é do indivíduo que aborda o pedestre e, apontando-lhe uma faca (grave ameaça) ou desferindo-lhe golpes (violência), pega o celular e foge.

Agora, reparem no § 1º. Também está sujeito às penas do Roubo simples (do caput) quem não usa de violência ou grave ameaça para subtrair o bem, mas sim depois ter feito para que fique com o bem ou para que fuja e fique impune, o que é chamado de Roubo impróprio (enquanto o próprio é a figura do caput). Como exemplo, podemos citar o indivíduo que pega a bicicleta de um ciclista que parou para beber água e é perseguido por um colega da vítima. Para ficar impune e na posse do bem, saca uma arma de fogo e aponta para o perseguidor, que desiste da recuperação da bicicleta do colega. Há um caso prático muito interessante de um indivíduo que furtava água, por ligação hídrica clandestina que derrubou o fiscal de uma escada para então desfazer a “gambiarra”, mas fica para outra oportunidade.

Interessante para o caso concreto que estudaremos logo a seguir a leitura do § 3º, que prevê a qualificadora quando há lesão corporal grave ou morte na ação criminosa de roubo. Na primeira parte (“Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa”), temos o Roubo qualificado pela lesão corporal grave; na segunda parte (“se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa”), temos o Roubo qualificado pela morte, chamado por técnicos e leigos de Latrocínio. Ambas qualificadoras ocorrem, segundo entendimento da doutrina e dos julgadores, com lesão grave ou morte de qualquer pessoa envolvida no crime, seja vítima (dono do bem ou quem recebe ameaça ou violência), seja um dos próprios roubadores.

Diferenciado o Furto do Roubo, temos a questão: se na explosão a caixa eletrônico para subtração do dinheiro não tem, geralmente, violência contra pessoa, é possível haver latrocínio?

Ocorre que muitos indivíduos acabam se juntando para formar quadrilhas especializadas no assunto e trazem consigo armas de fogo de todo tipo, incluindo fuzis, para caso haja intervenção humana em suas ações. Aí surge outra questão: se após ou durante uma empreitada criminosa de furto a caixas eletrônicos com destruição do equipamento com explosivos surge a polícia ou seguranças para impedir o ato e os assaltantes reagem com tiros, os quais matam alguém, para então fugir, ainda estaremos diante do crime de furto qualificado?

A tese é que não, mas para entendê-la, estudaremos e analisaremos um caso concreto.

CASO CONCRETO

Indivíduos fortemente armados entram na agência de um famoso banco, em plena madrugada, explodem os caixas eletrônicos e pegam valores em espécie, subtraindo-os.

Policiais militares são acionados pelo alarme e vão ao local, onde entram e ouvem barulho de pessoas. Em seguida, ouvem disparos de arma de fogo e, então, veem dois indivíduos na laje da agência, efetuando disparos de arma de fogo, bem como outros indivíduos efetuando disparos de dentro de um veículo não identificado, estacionado em uma rua paralela, todos visando atingir os militares.

Uma viatura chega para apoio aos policiais e seus ocupantes são atingidos por projéteis de arma de fogo, sendo que um dos deles é atingido no braço e na perna direita, sofrendo lesão corporal grave, e o segundo policial ocupante da viatura ferido gravemente, chegando a óbito.

Durante o tiroteio, outros 06 policiais são feridos.

Assim, os criminosos fogem com o dinheiro.

Vamos à análise e ao estudo deste caso:

Os criminosos iniciaram Furto à agência bancária com uso de explosivos para destruir os caixas eletrônicos, ora obstáculos. Com a chegada dos policiais ao local, utilizaram de violência para conseguir fugir com o dinheiro. Assim o que a princípio era um Furto qualificado, tornou-se crime de Roubo impróprio, figura do artigo 157, § 1º do Código Penal.

Do Roubo impróprio (que ainda é Roubo), resultou a morte de um policial. Logo, trata-se do crime de Latrocínio, nos moldes do artigo 157, § 1º e 3º, segunda parte, do Código Penal, pois agiram com fins patrimoniais e a morte, bem como o perigo à vida dos demais policiais, foi para assegurar a impunidade do roubo.

Assim, nos ensinamentos de Rogério Greco:
As qualificadoras acima mencionadas – lesão corporal grave e a morte – são aplicadas em ambas as espécies de roubo, vale dizer, no roubo próprio, bem como no roubo impróprio. O importante, como já registramos, é que tenha sido consequência da violência.[2]

No caso em tela, temos uma modalidade de Latrocínio consumado, pois os criminosos, além de subtrair o dinheiro, mataram um policial. Importante fazer uma observação mais técnica: mesmo que não haja a subtração da coisa (bem, res) e tão somente sua tentativa, mas havendo a morte de alguém no contexto, o crime de Latrocínio é consumado. Neste sentido:
Finalmente, hoje, como terceira e majoritária posição, temos aquela adotada pelo STF, o qual deixou transparecer seu entendimento por meio da Súmula 610, assim redigida:

Súmula 610. Há crime de latrocínio quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima.

Para essa corrente, basta que tenha ocorrido o resultado morte para que se possa falar em latrocínio consumado, mesmo que o agente não consiga levar a efeito a subtração patrimonial.[3]

Quanto ao policial gravemente ferido, o que garantiu a fuga dos criminosos, temos um caso de Roubo impróprio qualificado pela lesão corporal grave, figura do artigo 157, § 1º e § 3º, primeira parte, do Código Penal.

Por fim, quanto aos outros policiais feridos (lesão leve), houve os crimes de Roubo impróprio, do artigo 157, § 1º, do Código Penal, uma vez que foi utilizada violência contra eles para garantir a impunidade.

Quanto à competência do juízo, no caso em tela, os crimes em questão são contra o patrimônio (Latrocínio e Roubo impróprio) e contra a paz pública (Associação criminosa, antigo “Quadrilha ou bando”- art. 288 do Código Penal) e não contra a vida. Assim, não são de competência do Júri, uma vez que não estão nos termos do artigo 74 do Código de Processo Penal, mas sim da Justiça Criminal Comum.

E no que isso influencia? No fato de que o julgador da causa será um Juiz de Direito, pessoa técnica do direito devidamente investida no cargo, devendo decidir com o Livre convencimento motivado (escolhe a decisão fundamentando estritamente na lei e nas provas dos autos), enquanto no Tribunal do Júri, quem julgaria seriam pessoas leigas quanto à ciência do Direito (geralmente), pessoas estas do povo que decidem com base na Consciência e no Íntimo convencimento (no seu íntimo pessoal, por sentimentos, até por dó ou ódio).

CONCLUSÃO

Logo no início, vimos que apesar de popularmente não distinguir-se roubo de furto, a explosão de caixas eletrônicos na calada da noite e sem outras pessoas além dos criminosos do local em regra é hipótese de Furto. Após análise e estudo da lei e de um caso concreto, vimos que é totalmente possível ocorrer o crime de Latrocínio quando os criminosos usam de violência para garantir a efetividade do furto, garantindo a posse da coisa ou a impunidade do crime.

Isso quer dizer que temos de avaliar caso por caso para saber em qual crime incorre o indivíduo que visa subtrair dinheiro de caixas eletrônicos através de explosão, podendo haver tanto o Furto qualificado quanto o Roubo, este qualificado ou impróprio, havendo grande diferença nas penas para quem comete tal ato criminoso.


Vladimir Vitti Júnior
Advogado

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[1] G1. Região soma 40 registros de furto ou roubo a caixas eletrônicos neste ano. Disponível em < http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2014/12/regiao-soma-40-registros-de-furto-ou-roubo-caixas-eletronicos-neste-ano.html . Acesso em 06 de fevereiro de 2015.
[2] Rogério Greco. Atividade Policial: aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais.- 4 ed. Niterói: Impetus, 2012, p. 219.
[3] Idem, p. 219.

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