sábado, 21 de fevereiro de 2015

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: formas e proteção

Fonte: Catraca Livre- "Personagens femininos chamam atenção para a violência doméstica". https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/princesas-da-disney-chamam-atencao-para-a-violencia-domestica/
1. Introdução

As relações domésticas (ou do lar) podem passar por fases turbulentas e de desarmonia, como ocorre em qualquer família. Ocorre que, por vezes, pode ser que um integrante da família ultrapasse os limites morais e legais, chegando a ferir a dignidade de outrem, seja do cônjuge/parceiro, dos filho, dos pais, etc.

Diante milhões de ocorrências pelo país (apenas uma parte registrada oficialmente), sendo grande parte contra a mulher (gênero/ sexo) simplesmente por ela “ser mulher” o Poder Legislativo criou a Lei nº 11.340 de 2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, a qual tem como objetivo crias “mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher” .

Após estudos, concluiu-se que essa grande parte de ocorrências de violência contra mulher aconteceram pelo simples fato dela ter nascido mulher, pois, no pensamento de algumas pessoas (inclusive outras mulheres, por sinal), elas são mais fracas, vulneráveis e até inferiores. Assim, a criação desta lei se fez necessária para endurecer punições e criar, dentre outras coisas, medidas de proteção à mulher.

A seguir veremos, de forma objetiva e simplificada, o que esta lei prevê sobre as formas de violência e como usa-la para se proteger do agressor.

2. Violência doméstica e a Lei Maria da Penha

Conforme o artigo 5o da lei em estudo, a violência doméstica/familiar consiste em “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Ou seja, uma conduta, dolosa ou culposa, de qualquer pessoa que agrida o direito à vida, à integridade e dignidade física, sexual, psicológica, moral e patrimonial de mulher por ela ser mulher, nada mais.

O dispositivo, além de definir legalmente o que é violência doméstica, traz em seu corpo as formas, quais sejam: física, sexual, psicológica, moral e patrimonial, as quais estudaremos logo mais.

Com essa definição, é possível para o operador do direito (advogado, delegado, promotor, juiz,...) enquadrar (“encaixar”) o fato ocorrido à lei para então utilizar ou não os dispositivos da Lei Maria da Penha, a qual trouxe mais conceitos:
I- Unidade doméstica como sendo “o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas”. Ou seja, não há necessidade de vinculo familiar (de sangue ou afeto), mas tão somente que haja convivência entre as pessoas, como nos exemplos de: um empregado doméstico (faxineiro, jardineiro, enfermeiro,...); um amigo que está desabrigado e já convive no lar à 2 meses; ou um estudante de intercâmbio recebido.

II- Família como “comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”. Aqui, temos o conceito clássico de família, sendo pessoas ligadas por laço sanguíneo, como pais e filhos, tios e sobrinhos,... e laço afetivo, como adotados e pessoas sob sua guarda, tutela ou curatela.

III- Qualquer relação íntima de afeto, sendo aquelas em que “o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”. Neste inciso temos as relações amorosas, desde o casamento até namoro, sendo necessário um convívio por espaço de tempo, seja na mesma residência ou não, como no caso de pessoas que casam mas continuam no lar dos pais ou próprio ou no caso de pessoas que namoram aos finais de semana.

Por fim, este artigo traz em seu parágrafo único uma previsão moderna e necessária para a sociedade atual:  “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”. Ou seja, não interessa se as relações domésticas, familiares ou íntimas de afeto são entre homem e mulher ou entre duas mulheres, a Lei Maria da Penha pode ser aplicada.

Ainda, a lei trouxe alterações para nosso Código Penal, endurecendo a pena dos agressores a mulheres pelo seu gênero/sexo.

O artigo 43 da Lei Maria da Penha incluiu a alínea “f” ao inciso II do artigo 61 do Código Penal, o qual prevê como agravante para aumento da pena o crime praticado “com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica”. Ainda, o artigo 44 da lei em estudo incluiu o §9º ao artigo 129 do diploma penal, criando a Lesão corporal qualificada “se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”, com pena de detenção, de 3  meses a 3 anos.

Assim, a Lei Maria da Penha revolucionou a proteção à mulher quanto à suas fraquezas perante outros que acreditam que ela seja inferior ou mais fraca. Pode parecer que tudo isso não passa de simples conceitos, mas na técnica forense os conceitos são de extrema utilidade para poder aplicar a lei, com direitos e obrigações, a cada caso concreto.

3. Formas

Como dito anteriormente, tanto para fins práticos quanto legais, até interdisciplinarmente, as formas de violência foram divididas, conforme estudaremos os incisos do artigo 7 da Lei nº 11.340/06.

3.1. Física

O inciso I prevê que a violência física é entendida como “qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal”. Ou seja, compreende as agressões físicas, a violência contra o corpo ou saúde.

Caso típico de violência física é o crime de Lesão corporal (art. 129 do Código Penal), onde um indivíduo desfere socos, chutes, pauladas, ou ainda puxa cabelo, arremessa ao chão,... Em alguns casos, a violência física, ainda, pode ser decorrente de Homicídio (art. 121 do Código Penal) tentado ou até consumado.

Importante demonstrar que tal agressão pode ser constatada e provada através de fotos, vídeos e testemunhas. Porém, por estarmos diante crimes materiais, é necessário o Exame de corpo de delito no IML (Instituto Médico Legal) ou, no mínimo, laudo médico de atendimento do hospital ou pronto-socorro.

3.2. Psicológica

Já o inciso II traz a violência psicológica como “qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.

Aqui, o agressor busca atacar a saúde mental, o psicológico da vítima, com o fim de causar emoções negativas ou destruição do auto respeito e do auto amor. É comum, nesses casos, o agressor cometer crimes de Injúria (art. 140 do Código Penal), de Ameaça (art. 147 do Código Penal) e de Constrangimento ilegal (art. 146 do Código Penal). Importante: a Injúria só pode ser processada pela via particular, por Advogado; a Ameaça exige a Representação (termo para expressar vontade de ver o agressor punido) pela vítima, sendo necessário falar a palavra REPRESENTAR contra o autor no prazo de 6 meses dos fatos; o Constrangimento ilegal é de ação penal pública, ou seja, basta o Ministério Público tomar conhecimento e ter as provas.

Os meios de prova mais comuns são fotos, vídeos, mensagens de celular (SMS, e-mail, redes sociais, messengers,...) e testemunhas.

3.3. Sexual

No inciso III temos a violência sexual “como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos”.

Observamos que é uma modalidade mais ampla, que envolve não só a dignidade e liberdade sexual da mulher, mas também a liberdade em conceber um filho ou em casar. Os crimes aqui envolvidos vão desde o Estupro (art. 213 do Código Penal), pois o casamento ou relacionamento íntimo não exclui o consentimento  em ter relação sexual, até o Constrangimento ilegal.

Aqui, as provas se repetem, porém, se houve ato sexual, é necessário novamente o Exame de corpo de delito no IML.

3.4. Patrimonial

Quanto ao inciso IV, a violência patrimonial é entendida como “qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”.

Nesse caso, é comum o agressor apoderar-se de bens, incluindo dinheiro, da mulher para que ela não tenha sua independência financeira para ir e vir ou adquirir o que quiser, mantendo a dependência com o agressor. Comum, assim, o Furto (art. 155 do Código Penal) ou Roubo (art. 157 do Código Penal).

Além dos meios de prova já mencionado, cabe também o extrato bancário.

3.5. Moral

Por fim, o inciso V diz que a violência moral é “qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”.

Ou seja, são os crimes contra a honra, seja subjetiva (interna da vítima; imagem dela consigo mesma), seja objetiva (externa a vítima; imagem dela perante a sociedade). Calúnia (art. 138 do Código Penal) é a imputação de fato que é crime, atingindo a honra objetiva e subjetiva. Difamação (art. 139 do Código Penal) é imputar fato ofensivo à reputação, atingindo a honra objetiva. Injúria (art. 140 do Código Penal) é a ofensa direta, geralmente xingamento, atingindo a honra subjetiva.

Para o agressor ser processado, deve-se ingressar com ação penal privada com Advogado.

Os meios de prova vão desde o testemunhal até documentais como SMS, e-mail, redes sociais, messengers,...

4. Medidas Protetivas

As medidas protetivas, como diz o nome, são imposições para resguardar os direitos da vítima. Elas se dividem em medidas de obrigação ao agressor e em medidas para a vítima.

As Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor estão no artigo 22 da Lei Maria da Penha e podem ser aplicadas pelo juiz de imediato caso constatada a violência. As medidas são:
I- suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente;
II- afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III- proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV- restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

No § 2o, prevê a possibilidade de restrição do porte de armas do agressor, caso ele tenha o porte ou até trabalhe armado. Para efetivar as medidas, o juiz pode contar, a qualquer momento, com auxílio policial, conforme o § 3º.

As Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida estão no artigo 23 e permitem o juiz, quando necessário:
I- encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II- determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III- determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.

Ainda, a lei prevê no artigo 24 medidas para proteção dos bens ligados ao casamento e dos particulares da mulher, sendo que o juiz poderá determinar liminarmente:
I- restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II- proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III- suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV- prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Todas essas medidas são possíveis de ser requeridas inicialmente na delegacia e posteriormente ao Ministério Público ou por Advogado para o Juiz então decidir por conceder ou não, após análise da existência de violência doméstica/familiar nos termos desta lei.

5. Prevenção e a eficácia das medidas

Agora que sabemos no que consiste violência doméstica/familiar, quais as formas e quais as medidas protetivas existentes, veremos como tornar efetiva a proteção à mulher.

Primeiramente, vale ressaltar que, apesar da grande evolução dos direitos e igualdade das mulheres nas últimas gerações, devido até a criação das pessoas e valores sociais, muitas mulheres ainda carregam a cultura de inferioridade, como se tivessem de servir ao homem ou descendente ou ascendente. Por exemplo, não é incomum vermos mulheres: submissas a seus maridos/companheiros; submissas a filhos (as); submissas a pais ou mães.

Em segundo lugar, temos de perder a visão de que o agressor e opressor é somente o homem, uma vez que existem mulheres que acreditam que suas iguais são fracas e devem ser submissas aos mais fortes, podendo ela ser autora de um crime ou partícipe. Já presenciei diversos casos na prática forense de mãe submetendo filha ou filha submetendo mãe a situações indignas.

Tendo isso em vista, vamos aos órgãos públicos que podem auxiliar a vítima em caso de violência doméstica/familiar:

I- Polícia Militar: é dever da polícia militar ser ostensiva (mostrar para a população que a polícia existe e atua) e ser preventiva (evitar crimes). Assim, enquanto houver a agressão, a Polícia Militar pode ser acionada pelo 190 para intervir e prender o criminoso. É papel dela, também, conduzir as partes à Delegacia para providências. Por fim, pode escoltar a vítima para o lar, além de impor o afastamento do agressor do lar, quando houver determinação do Juiz;

II- Delegacia de Polícia: em especial na Delegacia de Proteção à Mulher,  é aqui que a Polícia Civil, através de seus investigadores, escrivães e delegados, apura os crimes. Aqui, registra-se a ocorrência e, nos casos de crimes que exigem representação (como a Ameaça), REPRESENTA contra o autor para que ele seja processado e, também, pede as medidas protetivas. O delegado de polícia, em seguida, encaminha os autos para o fórum.

III- Ministério Público: é o órgão que tutela os direitos da coletividade. Ao receber os autos da delegacia, o Promotor de Justiça analisa o caso e, com o mínimo de provas da violência, pede a aplicação das medidas ao juiz. Em seguida, pede a coleta das provas suficientes para comprovar a autoria e a materialidade do delito para então processar o agressor nos crimes que não sejam de ação penal privada (como na Injúria, Calúnia e Difamação);

IV- Judiciário: após o requerimento do Promotor de Justiça pelo deferimento das medidas protetivas, o Juiz decide se há fundamento para a aplicação delas e quais aplicar. Dependendo das medidas, como afastamento do agressor do lar, o Juiz pode ordenar a polícia, seja Militar ou Civil, efetivar o cumprimento. Ainda, as medidas protetivas são ordens judiciais, sendo que se o agressor as desrespeitar, incorre em crime de Desobediência (art. 330 do Código Penal).

Por fim, não é órgão da Administração Pública mas exerce “ministério privado de função social”, temos o Advogado, o qual tem capacidade postulatória para fazer pedidos em nome da vítima diretamente ao Juiz ou acompanhar a vítima na Delegacia para que seus direitos sejam tomados a termo.

Assim, para a efetividade das medias a vítimas pode contar com as pessoas e órgãos acima expostos.

Como é comum a vítima procurar a Delegacia de Polícia sozinha e sem prévia orientação, deixo em destaque dois pontos para quem fizer isso: use expressamente o termo “REPRESENTO CONTRA O AUTOR PARA QUE ELE SEJA PROCESSADO”; use expressamente o termo “DESEJO A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI MARIA DA PENHA”; certifique-se que o policial registrou esses termos no Boletim de Ocorrência e em seu depoimento.

Assim, as chances de deferimento das medidas são muito maiores.

Por fim, caso esteja protegida pelas medidas e o agressor tente contra elas, a mulher deve procurar um Advogado ou o Ministério Público para comunicar sobre o ocorrido, podendo o agressor ser preso por Desobediência ou, ainda, em prisão preventiva por acusar risco à ordem pública (art. 312 c.c. art. 313, III, ambos do Código de Processo Penal).

7. Conclusão

Nos dias de hoje, há pessoal, estrutura e lei suficiente (não ideal) para a proteção à mulher contra a violência de gênero, podendo ela requerer medidas protetivas ao Judiciária através da atuação de Polícia, Ministério Público e Advogado.

Para maior conhecimento, indico a cartilha “Mulher... vire a página”, do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (GEVID), do Ministério Público do Estado de São Paulo, que ilustra as formas de violência e traz todas as opções interdisciplinares (criminal, social, assistencial,...) para apoio à mulher: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Cartilhas/vire_a_pagina.pdf (versão em espanhol: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Cartilhas/vuelta_la_pagina.pdf).

A mulher deve pensar nas pessoas que ama, incluindo a si mesma, pois a violência doméstica/familiar não atinge somente a ela, mas a toda coletividade.


Vladimir Vitti Júnior
Advogado

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sábado, 7 de fevereiro de 2015

FURTO A CAIXAS ELETRÔNICOS: possibilidade de Latrocínio

Fonte: http://www.ribeiraonoticias.net/2014/11/bandido-tenta-estourar-caixa-eletronico.html


      O Estado de São Paulo passa por um período atual com diversas ocorrências de “assaltos” a caixas eletrônicos, onde indivíduos explodiam o maquinário para subtrair grandes quantias em dinheiro. Segundo o site G1 em notícia publica em 11 de novembro de 2014 com título “Região soma 40 registros de furto ou roubo a caixas eletrônicos neste ano: Segundo delegado de São Carlos, SP, dinheiro roubado abastece facções. Frequência dos crimes assusta moradores e provoca mudança de hábitos”, só na região de São Carlos havia 40 casos de “roubo ou furto de caixas eletrônicos” em 2014, conforme apontado pelo DEIC (Departamento Estadual de Investigações Criminais), da Polícia Civil. “O último na madrugada desta quinta-feira (11), em Mococa (SP).  Quase todos os dias um caixa eletrônico é alvo de criminosos no estado e, desde o início do ano, foram mais de 300 ocorrências desse tipo”[1].

Apesar do uso de explosivos para chegar ao objetivo, causando grande dano no perímetro e terror na vizinhança, juridicamente não estamos diante a hipótese de roubo, mas sim de furto (ambos os crimes do Código Penal, contra o Patrimônio). Eis a diferenciação entre os crimes:

- Furto:
   Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
        Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
 § 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.
        § 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
        § 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.
        Furto qualificado
        § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
        I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
        II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
        III - com emprego de chave falsa;
        IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.
        § 5º - A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.

O crime de furto consiste em tão somente subtrair algo que não é seu, independente se alguém viu ou não. Digo isso porque é muito comum dizerem “furto é quando não vê, roubo e quando vê”. É um erro comum, pois é dever dos operadores do Direito (Juiz, Promotor, Advogado, Polícia,...) saber o técnico.

Importante destacar que o § 4º torna o Furto qualificado, aumentando sua pena no mínimo e no máximo, quando há a destruição ou rompimento de obstáculo para ter a posse do bem desejado. E como exemplo, temos os casos em que o indivíduo usa explosivos para destruir o caixa eletrônico para então subtrair o dinheiro que dentro dele estava.

- Roubo:
  Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
        Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
        § 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.
        § 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
        I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
        II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;
        III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.
        IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior;
        V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.
        § 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.

 Vemos que o crime de Roubo inicia seu texto (tipo penal) idêntico ao do Furto, porém, ele exige que a subtração, a tomada da posse do bem, seja feita violência ou grave ameaça ou com redução da capacidade de resistência, tudo contra pessoa, seja ela a detentora do bem ou não. Exemplo (infelizmente mais do que comum e cotidiano) é do indivíduo que aborda o pedestre e, apontando-lhe uma faca (grave ameaça) ou desferindo-lhe golpes (violência), pega o celular e foge.

Agora, reparem no § 1º. Também está sujeito às penas do Roubo simples (do caput) quem não usa de violência ou grave ameaça para subtrair o bem, mas sim depois ter feito para que fique com o bem ou para que fuja e fique impune, o que é chamado de Roubo impróprio (enquanto o próprio é a figura do caput). Como exemplo, podemos citar o indivíduo que pega a bicicleta de um ciclista que parou para beber água e é perseguido por um colega da vítima. Para ficar impune e na posse do bem, saca uma arma de fogo e aponta para o perseguidor, que desiste da recuperação da bicicleta do colega. Há um caso prático muito interessante de um indivíduo que furtava água, por ligação hídrica clandestina que derrubou o fiscal de uma escada para então desfazer a “gambiarra”, mas fica para outra oportunidade.

Interessante para o caso concreto que estudaremos logo a seguir a leitura do § 3º, que prevê a qualificadora quando há lesão corporal grave ou morte na ação criminosa de roubo. Na primeira parte (“Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa”), temos o Roubo qualificado pela lesão corporal grave; na segunda parte (“se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa”), temos o Roubo qualificado pela morte, chamado por técnicos e leigos de Latrocínio. Ambas qualificadoras ocorrem, segundo entendimento da doutrina e dos julgadores, com lesão grave ou morte de qualquer pessoa envolvida no crime, seja vítima (dono do bem ou quem recebe ameaça ou violência), seja um dos próprios roubadores.

Diferenciado o Furto do Roubo, temos a questão: se na explosão a caixa eletrônico para subtração do dinheiro não tem, geralmente, violência contra pessoa, é possível haver latrocínio?

Ocorre que muitos indivíduos acabam se juntando para formar quadrilhas especializadas no assunto e trazem consigo armas de fogo de todo tipo, incluindo fuzis, para caso haja intervenção humana em suas ações. Aí surge outra questão: se após ou durante uma empreitada criminosa de furto a caixas eletrônicos com destruição do equipamento com explosivos surge a polícia ou seguranças para impedir o ato e os assaltantes reagem com tiros, os quais matam alguém, para então fugir, ainda estaremos diante do crime de furto qualificado?

A tese é que não, mas para entendê-la, estudaremos e analisaremos um caso concreto.

CASO CONCRETO

Indivíduos fortemente armados entram na agência de um famoso banco, em plena madrugada, explodem os caixas eletrônicos e pegam valores em espécie, subtraindo-os.

Policiais militares são acionados pelo alarme e vão ao local, onde entram e ouvem barulho de pessoas. Em seguida, ouvem disparos de arma de fogo e, então, veem dois indivíduos na laje da agência, efetuando disparos de arma de fogo, bem como outros indivíduos efetuando disparos de dentro de um veículo não identificado, estacionado em uma rua paralela, todos visando atingir os militares.

Uma viatura chega para apoio aos policiais e seus ocupantes são atingidos por projéteis de arma de fogo, sendo que um dos deles é atingido no braço e na perna direita, sofrendo lesão corporal grave, e o segundo policial ocupante da viatura ferido gravemente, chegando a óbito.

Durante o tiroteio, outros 06 policiais são feridos.

Assim, os criminosos fogem com o dinheiro.

Vamos à análise e ao estudo deste caso:

Os criminosos iniciaram Furto à agência bancária com uso de explosivos para destruir os caixas eletrônicos, ora obstáculos. Com a chegada dos policiais ao local, utilizaram de violência para conseguir fugir com o dinheiro. Assim o que a princípio era um Furto qualificado, tornou-se crime de Roubo impróprio, figura do artigo 157, § 1º do Código Penal.

Do Roubo impróprio (que ainda é Roubo), resultou a morte de um policial. Logo, trata-se do crime de Latrocínio, nos moldes do artigo 157, § 1º e 3º, segunda parte, do Código Penal, pois agiram com fins patrimoniais e a morte, bem como o perigo à vida dos demais policiais, foi para assegurar a impunidade do roubo.

Assim, nos ensinamentos de Rogério Greco:
As qualificadoras acima mencionadas – lesão corporal grave e a morte – são aplicadas em ambas as espécies de roubo, vale dizer, no roubo próprio, bem como no roubo impróprio. O importante, como já registramos, é que tenha sido consequência da violência.[2]

No caso em tela, temos uma modalidade de Latrocínio consumado, pois os criminosos, além de subtrair o dinheiro, mataram um policial. Importante fazer uma observação mais técnica: mesmo que não haja a subtração da coisa (bem, res) e tão somente sua tentativa, mas havendo a morte de alguém no contexto, o crime de Latrocínio é consumado. Neste sentido:
Finalmente, hoje, como terceira e majoritária posição, temos aquela adotada pelo STF, o qual deixou transparecer seu entendimento por meio da Súmula 610, assim redigida:

Súmula 610. Há crime de latrocínio quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima.

Para essa corrente, basta que tenha ocorrido o resultado morte para que se possa falar em latrocínio consumado, mesmo que o agente não consiga levar a efeito a subtração patrimonial.[3]

Quanto ao policial gravemente ferido, o que garantiu a fuga dos criminosos, temos um caso de Roubo impróprio qualificado pela lesão corporal grave, figura do artigo 157, § 1º e § 3º, primeira parte, do Código Penal.

Por fim, quanto aos outros policiais feridos (lesão leve), houve os crimes de Roubo impróprio, do artigo 157, § 1º, do Código Penal, uma vez que foi utilizada violência contra eles para garantir a impunidade.

Quanto à competência do juízo, no caso em tela, os crimes em questão são contra o patrimônio (Latrocínio e Roubo impróprio) e contra a paz pública (Associação criminosa, antigo “Quadrilha ou bando”- art. 288 do Código Penal) e não contra a vida. Assim, não são de competência do Júri, uma vez que não estão nos termos do artigo 74 do Código de Processo Penal, mas sim da Justiça Criminal Comum.

E no que isso influencia? No fato de que o julgador da causa será um Juiz de Direito, pessoa técnica do direito devidamente investida no cargo, devendo decidir com o Livre convencimento motivado (escolhe a decisão fundamentando estritamente na lei e nas provas dos autos), enquanto no Tribunal do Júri, quem julgaria seriam pessoas leigas quanto à ciência do Direito (geralmente), pessoas estas do povo que decidem com base na Consciência e no Íntimo convencimento (no seu íntimo pessoal, por sentimentos, até por dó ou ódio).

CONCLUSÃO

Logo no início, vimos que apesar de popularmente não distinguir-se roubo de furto, a explosão de caixas eletrônicos na calada da noite e sem outras pessoas além dos criminosos do local em regra é hipótese de Furto. Após análise e estudo da lei e de um caso concreto, vimos que é totalmente possível ocorrer o crime de Latrocínio quando os criminosos usam de violência para garantir a efetividade do furto, garantindo a posse da coisa ou a impunidade do crime.

Isso quer dizer que temos de avaliar caso por caso para saber em qual crime incorre o indivíduo que visa subtrair dinheiro de caixas eletrônicos através de explosão, podendo haver tanto o Furto qualificado quanto o Roubo, este qualificado ou impróprio, havendo grande diferença nas penas para quem comete tal ato criminoso.


Vladimir Vitti Júnior
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[1] G1. Região soma 40 registros de furto ou roubo a caixas eletrônicos neste ano. Disponível em < http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2014/12/regiao-soma-40-registros-de-furto-ou-roubo-caixas-eletronicos-neste-ano.html . Acesso em 06 de fevereiro de 2015.
[2] Rogério Greco. Atividade Policial: aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais.- 4 ed. Niterói: Impetus, 2012, p. 219.
[3] Idem, p. 219.