Fonte: http://www.licencamaternidade.com/blog/2009/02/animais-de-estimacao-e-gravidez/ |
1. Introdução
Os animais domésticos fazem parte da
vida do ser humano e isso não é novidade. Desde os tempos antigos o
homem utiliza animais como cães e seus antepassados (caninos
selvagens, como o lobo) para proteção e caça. Nos tempos atuais,
os animais domésticos (que vivem em casa) ou de estimação (pelo
qual se tem estima/sentimentos bons) fazem parte da maioria dos lares
e até de órgãos ou empresas.
É muito comum famílias manterem
animais como cachorros, gatos, aves e pequenos roedores, assumindo-os
como companhia, proteção ou até como membros da família. Já em
empresas, geralmente, utilizam cachorros de grande porte como parte
da segurança do local. Os órgãos públicos não ficam de fora: a
Polícia Militar do Estado de São Paulo, por exemplo, utiliza cães
no policiamento, no resgate e na localização de pessoas e para
farejamento de substâncias ilícitas ou explosivas.
Assim, pode-se concluir que estes
animais têm grande relevância na sociedade atual, o que requer
proteção legal dos direitos que recaem a eles. E assim fez o
legislativo, criando a Lei nº 9.605/98, a qual dispõe sobre “as
sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades
lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências”. Além disso,
graças aos esforços de parte da população e de organizações
sociais com apoio de autoridades, foi criada, em São Paulo, a
primeira delegacia de polícia
especializada em direitos dos animais, a Divisão de Investigações
sobre Infrações de Maus Tratos a Animais e demais Infrações
contra o Meio Ambiente da Polícia Civil do Estado de São Paulo,
criada em julho de 2013.
Porém,
há de serem feitos esclarecimentos à população quanto a quais os
crimes que estão relacionados aos animais de estimação/domésticos,
uma vez que eles não são seres humanos/pessoas humanas. A diante,
estudaremos
o que são os animais e quais os crimes recaem sobre eles, tanto como
“vítima” (sentido figurado e literal) como
objeto de
seus donos.
2. Classificação legal
Primeiramente, os animais, em geral,
estão previstos no Código Civil como bens. Sim, eles são
juridicamente mais semelhantes a uma caneta do que a um ser humano.
Sobre os seres humanos, o Código Civil diz, respectivamente, em seus
artigos 1º e 2º, que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres
na ordem civil” e que “a personalidade civil da pessoa começa do
nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os
direitos do nascituro”. Já sobre os animais, não há normatização
específica, sendo entendido, de forma unânime, pelos juristas que
eles são bens móveis, conforme disposto no artigo 82 do diploma
civil: “são móveis os
bens suscetíveis de movimento próprio,
ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou
da destinação econômico-social”.
Assim, a classificação deles é de
patrimônio, mais especificamente um “bem móvel semovente”
(semoventes= “sere dotados de movimento próprio”, segundo Silvio de Salvo Venosa).
Isso, para os animais em geral, desde os domésticos até os de
abatedouros.
Ainda, é importante observar que os
animais domésticos podem ser classificados como “bens
infungíveis”, os quais são, segundo Venosa,
“aqueles corpos certos, que não admitem substituição por outros
do mesmo gênero, quantidade e qualidade, como um quadro de
Portinari, uma escultura ou qualquer outra obra de arte”.
Ou seja, um cachorro que pertence a uma família há 10 anos e que
pelo qual se tem enorme estima e carinho, pode ser classificado como
infungível, insubstituível por outro igual, parecido ou por outros
em maior quantidade até.
Logo, conclui-se que a classificação
legal deles é, em regra, “bem móvel semovente infungível”.
Sendo assim, ele pode ser propriedade de pessoas humanas (sendo
possível usar, gozar, fruir e dispor) ou somente posse (usar, gozar
e fruir).
A partir disso, estudemos os crimes
que recaem cotidianamente sobre eles ou sua propriedade/posse e
busquemos esclarecer os equívocos mais comuns das pessoas leigas do
direito.
3. Crimes do Código Penal
O Código Penal é a lei que traz os
crimes e suas respectivas penas. Os crimes são criados para proteger
um bem tutelado, ou seja, evitar que algo ilegal ocorra contra bens
importantes para a sociedade, como a vida, a liberdade, a
administração pública e o patrimônio.
Para ocorrer um crime, deve haver uma
conduta humana, dolosa ou culposa, a qual gera um dano a um bem
jurídico tutelado pela lei, não havendo excludentes de ilicitude ou
de culpabilidade. Aqui temos o princípio da legalidade e da
anterioridade: não há crime sem expressa previsão legal, cabendo a
interpretação por analogia somente quando favorável ao réu, ou
seja, o crime só é típico se “encaixa” o fato com a letra da
lei.
Atualmente, nosso Código Penal, que é
de 1940, com diversas alterações ao decorrer dos anos, não prevê
nada para proteger os direitos dos animais de forma específica, o
que pode espantar muita gente (obs.:
há previsão no projeto do novo código).
Ocorre que muitas vezes as pessoas imputam um crime numa situação
envolvendo seu animal de estimação, por vezes esquecer que ele é
um bem, não uma pessoa. Assim, vamos aos estudos e esclarecimentos
quanto a cada crime em espécie.
- Homicídio:
a lei prevê que homicídio é matar alguém (art. 121). Alguém,
seguindo a lógica jurídica, é uma pessoa humana. Assim, não há
de se falar em homicídio de animais, até porque a palavra vem do
latim hominis excidium,
matar o homem.
- Lesão corporal: é
a ofensa à integridade corporal ou à saúde de outrem, de alguém
(art. 129). Segue-se, assim, a mesma lógica anterior, somente pessoa
humana.
- Maus-tratos:
compreende a exposição a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob
sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação,
ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou
cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou
inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina (art.
136). O tipo penal (texto do artigo) diz expressamente que a vítima
é somente a pessoa humana.
- Sequestro e cárcere privado:
Privar
alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado
(art. 148). Mais uma vez, e letra da lei é expressa em afirmar que
só cabe contra pessoa.
Até então, percebemos que esses
crimes não cabem quando se trata de animais domésticos quando
“vítimas”. Isso quer dizer que eles ou a propriedade sobre eles
está desemparada pela lei penal? A resposta é não. Ocorre que
esses crimes estão no Título I- dos crimes contra a pessoa.
Logo, o que nos interessa é o título seguinte, o Título II- dos
crimes contra o patrimônio, como segue.
- Furto: consiste
em subtrair coisa alheia móvel para si ou para outrem (art. 155).
Observamos que a vítima nesse caso é somente a pessoa humana,
porém, o objeto do crime é a coisa móvel. Como vimos, os animais
domésticos são bens móveis. Logo, caso um gato doméstico,
pertencente a uma família, seja subtraído, seja tomada sua posse
por outrem, o felino é objeto do crime de furto. Detalhe é que a
lei diz simplesmente subtrair, tenha a vítima presenciado ou não o
delito. Como exemplo prático, já acompanhei um caso onde dois
indivíduos pularam o muro da casa de um senhor, de madrugada, e
pegaram duas gaiolas, cada uma com uma ave incomum, com valores
aproximados a R$ 700,00 cada, e tentaram fugir, apossando-se deles.
As aves eram herança de família e de alta estima. Por sorte, os
infratores foram abordados por vizinhos e detidos, porém, na
confusão, uma das gaiolas caiu, abriu e a ave fugiu.
- Roubo:
o código diz que é a subtração coisa móvel alheia, para si ou
para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois
de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de
resistência (art. 157). É muito semelhante ao furto quanto ao
raciocínio vítima-objeto, porém, aqui temos a utilização de
violência (agressão física), de grave ameaça (psicológica) ou de
meio que impossibilite resistência (amarrar a vítima, por exemplo).
Acontece em casos de assalto a residência onde o animal aparenta
chance de lucro na venda.
- Extorsão: é
a constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o
intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica,
a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa (art.
158). Mais um crime contra pessoa humana mas com objeto o patrimônio,
no caso uma vantagem econômica. Como exemplo, existem casos em que
animais são encontrados ou apossados (“raptados”,
“sequestrados”,... no popular) por alguém que entra em contato
com os donos e constrange, obriga os proprietários a entregar
quantia em dinheiro para ter o animal de volta. Neste caso, o
animal é o meio de constrangimento e a
posse foi tomada, havendo extorsão, não sequestro ou cárcere
privado, pois estes últimos são somente contra pessoas, como já
estudado.
- Extorsão mediante sequestros: já
adiantando, não cabe quando envolve
animal, pois consiste em sequestrar pessoa com o fim de obter, para
si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do
resgate (art. 159). Temos como elementar do crime somente o
sequestro, a privação da liberdade, de pessoa. Logo, se um animal
doméstico for retirado do dono e exigido um resgate, não há de se
falar em extorsão mediante sequestro, mas tão somente em extorsão
(art.
158).
- Dano: o
texto diz que é destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia
(art. 163). O objeto é a coisa, o bem. Quanto aos animais, podemos
dizer que destruir é tirar a vida, inutilizar é causar alguma lesão
grave ao ponto de impedir alguma função vital (visão, locomoção,
audição,...) e deteriorar é causar alguma lesão que exija
cuidados veterinários. Segundo entendimento da doutrina, há
conflito deste crime com o de maus-tratos a animais da Lei de Crimes
Ambientais (Lei nº 9.605/98), prevalecendo-se o último pelo
princípio da especialidade, o que estudaremos logo mais. Como
exemplo, uma ave que, ao ter suas penas da asa aparadas para evitar
voo longo, tem parte da asa cortada fora.
- Estelionato:
consiste em obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em
prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante
artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. Já não é
mais novidade casos em que estelionatários pegam cães vira-latas e
os transformam em raças com pedigree, quebrando as orelhas, raspando
e tingindo pelos e criando documentação falsa. Vender este animal
levando o comprador a erro é um caso claro de estelionato.
- Receptação: é
adquirir,
receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou
alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que
terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte (art. 180). O
objeto do crime é a coisa produto de crime, ou seja, aquele animal
doméstico que foi subtraído, desapossado da família e levado
embora. A receptação de animais doméstico, infelizmente, não é
uma coisa incomum, sendo que dificilmente os furtadores ou roubadores
pegam os animais para si. A intenção, na grande maioria, é para
venda e lucro financeiro, podendo o animal virar de estimação para
outra família, que o adquiri sabendo que seu valor está abaixo
mercado e que as condições da venda ou comércio são impróprias e
suspeitas. Vale ressaltar que, na prática forense, a receptação,
muitas vezes cometida por pessoas de bem que querem fazer um “bom
negócio”, é considerada um dos crimes mais graves, uma vez que
motiva os roubos, furtos, latrocínios, etc. Sem comprador de
mercadoria produto de crime, não há crime patrimonial.
4. Crimes Ambientais
Em 12 de fevereiro de 1998 foi
publicada a Lei nº 9.605, a Lei de Crimes Ambientais. Esta lei tem
como bem jurídico tutelado o meio ambiente e tudo que lhe compõe,
fauna e flora, animais domésticos, silvestres, etc. Há previsão de
crimes e de medidas administrativas.
Em seu artigo 32, há o crime mais
interessantes para o assunto em questão, o qual protege a
integridade dos animais em geral, incluindo os domésticos, sendo o
tipo penal: “Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar
animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa”.
Aqui vemos várias condutas dos crimes
contra a pessoa, os quais já vimos, só que contra animais, tendo
eles como “vítimas”. Logo, por mais que não caiba lesão
corporal contra um cachorro de estimação, cabe o crime de ferir ou
mutilar animal doméstico.
Quanto ao conflito de normas dano x
ferir ou mutilar animais, é
interessante observarmos o seguinte: dano é um crime contra o
patrimônio e o animal de estimação é um bem, logo, cabe dano
contra ele; ferir ou mutilar animal é crime contra o meio ambiente e
o animal de estimação está nele incluso, logo, cabe este crime.
Qual deve ser a aplicação penal a uma pessoa que fere um animal,
então? Entendo, junto com grande parte dos juristas, que cabe o
crime do artigo 32
da lei ambiental, pelo princípio da especialidade, uma vez que,
apesar de ser um bem, ele tem atenção especial reconhecida
juridicamente.
E
pode aplicar esse crime e dano, ao mesmo tempo? Isso é impossível,
em respeito ao princípio do non
bis in idem,
pois é proibido punir alguém duas vezes pela mesma conduta, por
deteriorar e ferir um animal, o que é a mesma coisa.
O crime ainda prevê, ainda, em seu §
1º, que incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa
ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou
científicos, quando existirem recursos alternativos.
Por fim, o § 2º traz uma causa de
aumento de pena de um sexto a um terço caso ocorre morte do animal,
o que equivale ao nosso crime de homicídio contra pessoa.
5. PREVENÇÕES E MEDIDAS
No cotidiano não há problema algum
para uma pessoa leiga quanto ao direito dizer que o animal foi
sequestrado ou que causaram-lhe lesão corporal. Agora, para
profissionais da área jurídica, isso tem total relevância, tanto
na investigação quanto no processo-crime.
Algumas prevenções a serem tomas são
as mesmas quanto ao patrimônio comum, como procurar não ostentar
animais com alto valor monetário e zelar por sua segurança e
cuidado. Quanto a maus tratos, sempre ser razoável no modo de lidar
com o animal e na hora de repreendê-lo.
Quanto ao crime de receptação,
sempre estude o mercado. Observe com atenção se o preço do animal
está na média e se estiver mais barato procure saber o porque
disto. Ainda, caso seja animal regulamentado (silvestre, etc...) ou
com pedigree, consulte a documentação. Sempre desconfie das
circunstâncias: lojas clandestinas que expõe os animais em
condições ruins ou pessoas vendendo-os na rua.
No dia 12 de janeiro de 2015, foi
publicada a Resolução nº 1069/14 do Conselho Federal de Medicina
Veterinária, a qual dispõe sobre “Diretrizes Gerais de
Responsabilidade Técnica em estabelecimentos comerciais de
exposição, manutenção, higiene estética e venda ou doação de
animais, e dá outras providências. Agora, todo estabelecimento que
venda animais deve ter um responsável técnico, o qual deve
assegurar que as instalações e locais de manutenção dos animais:
I - proporcionem um ambiente livre
de excesso de barulho, com luminosidade adequada, livre de poluição
e protegido contra intempéries ou situações que causem estresse
aos animais;
II - garantam conforto, segurança,
higiene e ambiente saudável;
III - possuam proteção contra
corrente de ar excessiva e mantenham temperatura e umidade adequadas;
IV - sejam seguras, minimizando o
risco de acidentes e incidentes e de fuga;
V - possuam plano de evacuação
rápida do ambiente em caso de emergência, seguindo normas
específicas;
VI - permitam fácil acesso à água
e alimentos e sejam de fácil higienização;
VII - permitam a alocação dos
animais por idade, sexo, espécie, temperamento e necessidades;
VIII - possuam espaço suficiente
para os animais se movimentarem, de acordo com as suas necessidades;
IX - sejam providas de
enriquecimento ambiental efetivo de acordo com a espécie alojada.
Caso presencie animais em condições
contrárias às desta resolução, comunique o Conselho Federal de
Medicina Veterinária (http://portal.cfmv.gov.br/portal/).
Caso tenha sua propriedade ou posse
sobre o animal violada, sendo vítima de crime contra o patrimônio,
procure a Polícia Militar (190) e uma Delegacia de Polícia para
registrar a ocorrência. Independente do valor de seu animal, ele é
direito seu.
Caso presencie algum ato de violência
ou que viole os direitos de integridade do animal, violando a Lei de
Crimes Ambientais, no estado de São Paulo, a Polícia Militar tem
policiais ambientas (190) e há uma delegacia de polícia específica
para investigar crimes contra o meio ambiente e maus tratos a animais
(3224-8208, 3224-8480 e 3331-8969).
6. Conclusão
Os animais domésticos/de estimação
tem sua importância para o ser humano reconhecida pelos poderes
estatais, havendo previsões legais e regulamentares tutelando pela
sua integridade, o que é mais do que justo, uma vez que tais animais
trazem segurança, auxílio e felicidade a pessoas, o que os
diferencia de outros bens.
Assim, qualquer coisa de mal que lhes
aconteça pode ter reflexo penal, seja em proteção ao direito de
propriedade, seja em proteção ao animal em si.
Vladimir Vitti Júnior
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