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Detalhe da Ponte da Amizade. Situada entre Foz do Iguaçu (Brasil) e Ciudad del Este (Paraguai), a ponte é o principal símbolo da divisa entre os dois países. Na fronteira com o Paraguai, a atividade migratória envolve 29 microrregiões brasileiras. (foto: Ekem/ CC-BY-SA 2.5). Retirado do site http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2013/01/urbanizacao-das-migracoes. |
São
Caetano do Sul, 11 de janeiro de 2014.
Ato
ilícito é o ato que vai contra as normas do ordenamento jurídico, causando por
culpa, in lato sensu, violação a
direito de outrem, ou, ainda, aquele cometido por titular de um direito que
excede seu limite, conforme expõe os artigos 186 e 187 do Código Civil,
respectivamente.
Nas
palavras de Venosa, se alguém “por ação ou omissão, pratica ato contra o
Direito, com ou sem intenção manifesta de prejudicar, mas ocasiona prejuízo,
dano a outrem, estamos no campo dos atos ilícitos”.
Analisando
as elementares do termo, Ato é uma ação
(vender, fraudar,...) ou omissão (deixar de vender, não socorrer,...)
realizado com o elemento subjetivo, qual seja a Culpa, que se divide em dolo (com intenção de) e em culpa
stricto sensu, que se subdivide em
imprudência (“atitude em que o agente atua com precipitação, inconsideração,
com afoiteza, sem cautelas, não usando de seus poderes inibidores”),
negligência (“inércia psíquica, a indiferença do agente que, podendo tomar as
cautelas exigíveis, não o faz por displicência ou preguiça mental”)
e imperícia (falta de conhecimento técnico).
Ilícito é o que a lei não permite.
Como
exemplo, imaginemos que Mélvio, que estava no andar térreo da casa, pedira para
Tício, que estava no andar de cima, entregar-lhe seu notebook. Tício pega o
aparelho e o joga, do andar de cima, para Mélvio, que obviamente não consegue
pegar o computador, que se chocou contra o chão e é destruído.
Tício fez uma ação
(jogar o notebook), no mínimo culposa,
pois, agira imprudentemente (não tomando a devida caltela).
Esse ato teve um reflexo
no mundo jurídico, pois ao destruir o bem, Tício causou um prejuízo material a
Mélvio, o que a lei não permite (há exceção a regra, como na legítima defesa).
Assim, Tício cometeu um
Ato ilícito dentro da esfera Cível, nos conformes do artigo 186 já citado.
Agora, imagine um
recipiente circular onde se guarda clipes, e dentro deste recipiente há uma
pequena divisória circular onde se guarda apenas mini clipes. Pode-se dizer que
o recipiente é para guardar clipes e a divisória, pelo seu tamanho, comporta
apenas mini clipes. Logo, tudo que há no recipiente são clipes.
Assim acontece com os
Atos ilícitos. A esfera maior representa os atos ilícitos civis, e a esfera
menor dentro desta os atos ilícitos penais. Logo, todo ato ilícito penal é um
ato ilícito civil. Porém, nem todo ato ilícito civil é penal, pois, para isso,
é necessário que o civil esteja dentro da esfera penal. Em analogia, o ilícito
civil para ser penal tem de ser um mini cilpe.
Isso ocorre porque o
Direito Penal, pelo seu princípio da intervenção mínima, é ultima ratio (última razão; último argumento). Ou seja, só deve
haver pena se a gravidade do ato assim exige, para manter a ordem e harmonia
social.
Caso o ato ilícito seja
penal, ele terá conseqüência na esfera Penal, com uma possível pena/sanção, e
na esfera Cível, com uma possível indenização, pois o ato será, ao mesmo tempo,
penal e civil. Caso o ato ilícito seja apenas civil, poderá haver uma
indenização por responsabilidade civil (artigos 927 e seguintes do Código
Civil).
O ato ilícito penal
detém as mesmas elementares do civil, porém, somadas a outras. Além do ato, chamado
também de conduta (ação ou omissão culposa ou dolosa), não ser permitido
(antijurídico), é necessária uma tipificação penal.
A tipificação penal é o
enquadramento da conduta (ato) em um tipo penal, que é a previsão legal de uma
infração penal (conduta + resultado lesivo + nexo causal + tipicidade).
Observação: não entraremos a fundo na análise de crime (antijuridicidade e
culpabilidade).
Utilizando o exemplo citado
no início, caso Tício tenha jogado o notebook
com a intenção de destruir o bem, ele terá cometido a infração penal do artigo 163
do diploma penal, pois o Código Penal prevê a conduta de “destruir, inutilizar
ou deteriorar coisa alheia” como crime de Dano.
A conduta de
jogar a pedra para deteriorar um veículo, somada ao resultado do amasso
na lataria do carro, por causa da pedra arremessada, tem previsão
legal como crime de Dano. Vale ressaltar que, como não há previsão do crime
de Dano na modalidade culposa, caso haja apenas imprudência, negligência ou
imperícia, o ato não vai passar de um ilícito civil, por falta de tipicidade
penal da conduta culposa stricto sensu.
É importante entender
este raciocínio de forma clara, pois na vida prática forense é comum deparar-se
com casos de ilícito civil sendo apurados pela Polícia Judiciária, não sendo
impossível que eles sejam processados pela Justiça Criminal.
Pode acontecer (e
acontece) que uma pessoa realize um negócio jurídico com outra e pelo não
cumprimento pela parte contratada o caso seja apurado em Inquérito Policial
como infração penal.
Por exemplo: Mélvio
contrata Tício, vidraceiro, para fazer o vitrô de sua sala no prazo de 20 dias,
por R$ 1.000,00. Tício recebe metade da quantia de forma adiantada (R$ 500,00)
e inicia o serviço. Porém, findo prazo de 20 dias, Tício não conclui o serviço.
Mélvio entra em contato com o vidraceiro que, mesmo depois de diversas
cobranças, alega não poder terminar o serviço.
Mélvio, indignado e
injustiçado, vai até a delegacia de polícia mais próxima e faz um boletim de
ocorrência dizendo ser vítima de Estelionato (artigo 171, caput, CP: obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em
prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício,
ardil, ou qualquer meio fraudulento. Pena de 1 a 5 anos de reclusão e multa).
O delegado de polícia
instaura inquérito policial para apurar Estelionato cometido por Tício, que é
ouvido e diz ser vidraceiro, confirmando os fatos narrados. A autoridade
policial, então, relata o procedimento e encaminha os autos ao Ministério
Público.
O Promotor de Justiça
criminal analisa os autos e pode fazer o seguinte raciocínio: Houve fato
típico? Tício obteve (ação dolosa) R$ 500,00 para si. A vantagem é ilícita em
prejuízo de Mélvio obtida por fraude? Ele identificou-se como vidraceiro, sua
real profissão, para prestar um serviço, recebeu parte do valor e não o
terminou. Logo, ausente as elementares “vantagem ilícita” e “mediante fraude”,
não há tipicidade, o que exclui o crime (Tício não utilizou de fraude para
fazer o contrato e receber o valor adiantado, apenas ficou inadimplente). Motivadamente,
o inquérito policial poderá ser arquivado pelo juízo a pedido do Promotor de
Justiça.
Aí, então, é que vem a
importância de discernimento entre ato ilícito civil e penal, pois, caso o
membro do Ministério Público verifique que não há crime, e sim apenas o ilícito
civil, o averiguado/indiciado será poupado de uma ação penal indesejada e sem
justa causa.
Cabe à vítima, nestes
casos, buscar a Justiça Cível para resolver a lide, com a rescisão do contrato
e indenização (material e/ou moral) por parte do inadimplente.
É importante lembrar que
tanto a instauração de um procedimento policial quanto uma ação penal por
ilícito civil gera prejuízo não só ao averiguado/indiciado, mas também
contribui para o volume de trabalho e despesas para a polícia, o Ministério
Público e o Judiciário, cabendo aos “primeiros juízes da causa” (policiais,
advogados,...) analisar a situação para dar a melhor orientação à “vítima”, que
em regra é juridicamente leiga, evitando uma carga de trabalho inútil ao
judiciário criminal.
Concluindo o raciocínio,
caso alguém cometa um crime, ele gerará efeitos na esfera Penal e na esfera
Cível, podendo ser processado em ambas com o fim de receber uma pena/sanção
penal na primeira e de indenizar na segunda esfera. Caso alguém cometa apenas
um ilícito civil, gerará efeitos apenas na esfera Cível, sendo passível de um
processo civil para reparação do dano. Como diz o princípio do direito romano: suum cuique tribuere (“dê a cada um o
que lhe é devido”).
REFERÊNCIAS:
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, v. 1: parte
geral, arts. 1º a 120 do CP.- 27 ed. Ver. E atual. Até 4 de janeiro de 2011.
São Paulo: Atlas, 2011.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: parte geral.- 9. Ed. São
Paulo: Atlas, 2009. (Coleção Direito Civil; v. 1.)
Vladimir Vitti Júnior
Advogado (Criminal, Militar, Cível e Administrativo)
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